“...Comida começa com mãe, e nosso relacionamento com a
comida e com a mãe permanece estratégico, percorrendo o leque do gosto, do
desgosto, do apetite, da náusea, da falta de apetite, e da velha e boa culpa.
“Somos o que comemos”, diz o provérbio, mas é só meia verdade.
De algum modo continuamos com fome mesmo depois de saciados,
porque a comida é um gatilho emocional para nos lembrarmos de coisas há muito
esquecidas, presas na memória.
"Os vícios e preconceitos começam na infância. O que gostamos
e o que não gostamos. E aquele desejo que nos consome e que nunca superamos...”
Edna O’Brien
Se analisarmos este trecho da autora Edna O’Brien, veremos
que há no berço o conforto e o desconforto do ato de comer. Preferências,
preconceitos, exageros, etc, nascem muitas vezes dentro de casa.
Qual é a fórmula adequada para nos alimentarmos nos tempos
de hoje sem deixarmos de nos tornar vítimas de nós mesmos?
Inúmeros são os distúrbios decorrentes da falta ou do
excesso de alimentos.
Mas que apesar de tudo não conseguimos viver sem ele.
Quantas vezes nos questionamos de como comer? Quanto comer?
De que jeito comer?
A verdade é que apesar de todas essas dúvidas e dos bombardeios
diários que nos atacam quando o assunto é alimentar-se, nos tornamos escravos
de dietas, exageros causados pela estética pouco estética, das influências
alheias, da nossa falta de capacidade de escolha. Fazendo com nos tornemos
ávidos por satisfações momentâneas e vazias, pois a vida a cada minuto se torna
mais rápida, não deixando com que façamos escolhas corretas e acessíveis ao
gosto, e sim ao ato simplesmente mecânico do “comer”.
Que prazeres deixamos de usufruir quando não percebemos o
que ingerimos? Quanta rapidez para apreciar o que nos alimenta? Com que
frequência precisamos nos abastecer diariamente para sentirmos realmente
satisfeitos? Quanto ouvimos nossas necessidades de consumo, ou simplesmente
deglutimos tudo o que vem pela frente como uma carência para suprirmos nossas
fraquezas???
Como o alimento é visto hoje dentro dos lares cada vez mais
solitários? Onde a mãe com sua força de nutrir, proteger, já não consegue
controlar o que seus filhos comem, gerando cada vez mais problemas com a saúde
física e mental principalmente das crianças, que quando conseguem olhar para seus
pais só vem exemplos de incertezas perante a comida.
O que estamos realmente aprendendo para nos salvar desse
contraste que nos colocando a frente de nossos olhos mesmo quando estamos
sentados à mesa? Conseguimos realmente ver o que comemos? Ou apenas nos declaramos
omissos de que o que vivemos hoje é um verdadeiro colapso de excessos causados
pelos alimentos.
O Brasil vem aumentando rapidamente seu peso perante a
balança, e os que mais sofrem são as crianças que na falta de opção,
discernimento conduzem cada vez mais uma alimentação pobre em nutrientes que
realmente fazem bem, gerando super pesos pesados já na flor da idade. Enchemo-nos
de “coisas” cada vez mais vazias, tornando nossas vidas cada vez mais
problemáticas, ricas em depressões, frustrações, incertezas que estão
diretamente associadas ao alimento que consumimos.
Até quando conseguiremos aguentar o peso de nossas escolhas,
que só fazem com que aceleremos problemas de saúde, auto-estima e segurança
emocional?
Quando se gasta atualmente em saúde, médicos especialistas,
planos de saúde, remédios, dietas, que não resolvem absolutamente nada?
Qual o preço que pagamos por este desconforto?
É possível se amar quando estamos com dificuldade para se
relacionar porque cada vez mais a sociedade exclui os que não estão de acordo
com as normas estéticas?
Como resolver isto, quando moramos em grandes cidades que
nos sugam e deixam cada vez menos tempo para deliciarmos com um bom prato de
comida, assim quentinho, saboroso e que nos faz vir a memória tempos felizes!
Mas ao contrário da agitação da vida modernos nos deparamos
com realidades opostas onde o sossego de pequenas cidades onde o tempo parece
não passar, e que mesmo assim nos distanciam da cozinha. Cozinha que é local de
ideias, preparos, reparos, lugar comum. Lugar que aproxima, que esquenta a
lama, o corpo e o coração, pois quem não aprecia um sopinha feita assim, de
forma bem simples naqueles dias frios? Ou aquela mesa lotada com conversas que
se cruzam, se entrelaçam e que compartilham do melhor dos momentos. Momento de
confraternizar, compartilhar, saborear companhias, relacionamentos, brindarmos.
Qual a família que não se recorda dessas reuniões onde todos
mostram seus dotes culinários, trocam receitas, experiências, segredos que a
vida ensina em volta de um fogão.
Qual a herança que deixaremos para nossos filhos e netos
dessa alegria que só quem se compromete com o outro consegue dar?
Encerro este texto dedicando melhores escolhas, mais
consciência, e que possamos aproveitar mais os alimentos sem culpa e exageros,
mas sim com PRAZER!
Viva a boa comida,
comida de verdade!
Por Eire Rosado